11.8.07

O SINISTRO SUCESSO DA REFORMA DECISIVA

Finalmente o Governo tem sucesso estrondoso numa das suas reformas. E é logo na mais influente. A realidade não tem sido benevolente para os ministros, com dificuldades, bloqueios, contestações, mas num tema o Executivo conseguiu os seus propósitos: o INE acaba de publicar os números da natalidade, revelando que no ano passado nasceram cerca de 105 mil crianças, menos que em qualquer ano anterior. Como grande parte desses são filhos de imigrantes, os valores portugueses são bastante inferiores.

O primeiro-ministro, modestamente, não reivindicou para si os méritos deste resultado, mas não há dúvida que se deve a uma estratégia longamente meditada e coerentemente aplicada durante décadas por vários governos. Não seria possível atingir valores tão miseráveis de natalidade sem esta intensa e persistente atitude política. Foi este Executivo que fechou maternidades, liberalizou e subsidia o aborto, impôs a educação sexual laxista. Ele é o herdeiro dos que facilitaram o divórcio, promoveram uniões de facto, promiscuidade, homossexualidade. Os portugueses estão em vias de extinção e José Sócrates pode gabar-se disso.

O valor agora revelado não é surpresa inesperada, mas vem na sequência natural de uma linha já antiga. Todos sabemos como a cultura progressista, manifestada por intelectuais, leis, telenovelas e programas educativos, se opõe à chamada "família tradicional". No antigo regime obscurantista a fertilidade portuguesa manteve altos valores, à volta de três nascimentos por mulher, até ao início da década de 70. Com a democracia e desenvolvimento começou a tendência moderna de queda da fertilidade.

Aqui Portugal não só conseguiu a convergência com a Europa, mas ultrapassou-a largamente. A nossa taxa de fertilidade de 1,36 nascimentos por mulher é bastante inferior à média da União Europeia (1,52), por sua vez muito menor que o nível de reposição das gerações de 2,1. Não se pode dizer que se trata de uma fatalidade sistémica, porque em países próximos os esforços atentos têm conseguido inverter a trajectória. Trata-se mesmo de uma específica estratégia nacional. O Governo português mostra decididamente à Europa o caminho para a decadência populacional.

Os detalhes dessa política estão claros no programa do actual Governo. Aí, no capítulo VI, "Famílias. Igualdade e Tolerância", as prioridades das "Novas políticas para as famílias" são o "Combate à violência doméstica", "Igualdade de género", "Uma política de verdade para a interrupção voluntária da gravidez" e "Política de não discriminação". A questão da natalidade está omissa, como todos os aspectos da família normal. Para o Governo, ela é só um cóio de brutalidade e discriminação que o despotismo iluminado dos burocratas deve corrigir.

O "sucesso" nesta reforma estrutural não é secundário, mas um dos elementos mais centrais da estratégia do Governo. Porque o nosso Executivo precisa de afirmar a sua identidade, visto a política económico-social ser tudo menos socialista. Isso, aliás, é um ponto a seu favor, porque as orientações económicas da sua doutrina há décadas que se mostraram um desastre. Mas enquanto adopta estratégias mercantilistas precisa de se expressar politicamente noutros campos. Os socialistas, que há décadas eram contra as empresas e mercados, agora revelam a sua pureza ideológica planeando a família.

Perante os números, o Governo fingiu-se surpreendido e incomodado, apressando-se a apresentar nova reforma; desta vez umas improvisadas "medidas de promoção da natalidade". Nos assuntos realmente importantes encomenda estudos, cria comissões, promove consultas públicas. Nestes temas "menores" envereda pela forma boçal de prometer uns trocos, que dão títulos nos jornais e em breve esquecerão a questão.

Naturalmente, não será por uns meses de abono e uns tempos de férias que alguém decidirá passar a ter mais filhos. Assim se desviam as culpas e, em breve, poderá continuar a estratégia de desmantelar a família. Ao menos nessa reforma estrutural o Governo até consegue o que quer.
João César das Neves

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